«Caros amigos:
Aproveito esta brecha de espaço público mais respirável para agradecer a quem tem suportado e aplaudido amavelmente as minhas canções desnaturadas –é provável que se trate maioritariamente de gente doente ou prestes a adoecer, mas ainda bem pois é nas situações de excepcional virulência que eclodem as tão necessárias mudanças genéticas de que a humanidade anda sempre necessitada. Uma canção, como vocês sabem, não serve para nada: não é nenhuma arma, nem nenhum panfleto e muito menos uma prescrição ou um diagnóstico do que quer que seja (tudo isso são desculpas esfarrapadas e sobreutilizadas numa cultura de utilitarismo aváro): uma canção é uma narcísica tentativa de reparação espiritual através do exorcismo paliativo da música e do frágil enredo da língua: um conjunto de canções como este representa uma série de sinais e cicatrizes num corpo vago a que chamo o meu tempo: não tenho pressa em saber qual o seu desenho definitivo, nem me compete fazê-lo. Uma pessoa constrói-se dentro das outras em forma de boato, de suspeita não certificada, cujo destino será mais o da conveniência do portador do que do remetente (e ainda falam em gestão de imagem, pobres crédulos!): de resto, devo acrescentar carinhosamente para quem lhe merecer o sentido, a sábia conclusão do meu amigo André Moitinho de Almeida:
Nunca nos apanharão vivos» in http://www.myspace.com/jpsimoes